A alguns anos atrás eu era um estudante do primeiro período de Jornalismo, e antes que me perguntem, sim, naquela época o diploma já havia deixado de ser requerimento para o exercício da profissão. Eu já estava ciente de que minha escolha era questionável aos olhos de terceiros, mas isso pouco importa uma vez que um período mais tarde eu estaria dando uma de Cartman e retirando-me definitivamente.
Acontece que naquela época, talvez por ser ainda mais jovem, talvez por ainda estar solteiro, mas definitivamente por ainda não possuir um Computador Master Race e um Console de Mesa, eu era uma pessoa muito mais sociável. Por “muito mais sociável” entenda que eu conversava com 3 pessoas na minha sala de aula, e considerava uma delas minha amiga. Essa amiga residia à algumas quadras da faculdade, no entanto nossas aulas finalizavam às 10 da noite e o caminho para seu lar era mal-iluminado e deserto, passando uma aparência pouco segura. Por essa razão ela inicialmente não estava certa se queria estudar naquele horário, o único disponível para o curso que havíamos escolhido. Era a oportunidade para que alguém, em um ato cavalheirismo, se oferecesse para guiar aquela dama até seu destino, servindo de escolta e a protegendo de possíveis perigos. E eis que esta pessoa surgiu…. em forma de outro colega de classe meu.
É claro que o destino gosta de pregar peças, e tal responsabilidade acabou por cair em minhas mãos, uma vez que meu colega fora interceptado por forças superiores.
No fim das contas aquele imprevisto daria inicio a um relacionamento de benefícios mútuos: ela teria alguém que a acompanhasse até sua morada e eu teria alguém que faria minha ligação com as demais pessoas da sala, me poupando do exaustivo ritual de comunicação, tão temido por pessoas anti-sociais como este que vos escreve.
Por termos interesses e gostos distintos e não termos muito sobre o que conversar, não demorou para começarmos a trocar experiências de vida, ouvirmos problemas um do outro e até escambarmos conselhos, gerando assim uma relação de confiança. Era como se eu fosse o “Amigo Gay“” dela, e ela fosse um “Brother” meu, num raro caso de “Friend-Zone Recíproca”, também conhecida pelo nome cientifico de “Amizade”.

Acima, a representação artística de quantos ”foda-se” eu concedo para a sua opinião sobre a veracidade de uma amizade real entre homem e mulher. 😀
Por fim, aquele ritual diário de Escort Mission seguiu-se ininterruptamente durante alguns meses, até que um dia um mal acometeu-se sobre minha pessoa: Snorlaxitite aguda, que se manifesta através de uma forte resistência de se sair da cama, fome intensa e uma fortíssima falta de vontade de engajar-se em qualquer tipo de atividade que exija maior esforço do que manter a respiração enquanto se está deitado. Por algum milagre inexplicável eu havia conseguido me locomover até a instituição de ensino a qual frequentava, mas parecia que minha Stamina estava próxima ao seu fim, e eu não conseguiria aguentar o grinding de estudos que se seguiria. Após longos segundos de debate interno sobre qual deveria ser meu próximo passo, decide-me por me recolher à minha toca para que pudesse recuperar minhas energias.
Felizmente meu ônibus não demorou muito e em menos de 30 minutos eu já estava em frente a porta da minha humilde morada. Alguém muito sábio já disse que o caminho mais rápido para a tristeza e depressão é a reflexão. Esparramado em minha cama, deparei-me com um dos seres mais temidos por qualquer ser humano. Estou me referindo é claro àquele insetinho safado que não para de te morder quando você comete uma ação moralmente questionável, denominado “Consciência”.
Inicialmente as mordidas da Consciência são pouco efetivas, não chegando a incomodar mais do que uma picada de mosquito. No entanto, o real objetivo deste chato-paragônico é alcançar seu reservatório de culpa. Uma vez que os dentes afiados abrem um orifício e a culpa começa a vazar, escorrendo por todo o seu corpo, esta torna-se um amplificador e cada mordida faz com que roubar o bolinho do seu amigo na hora do lanche pareça o maior crime da humanidade.

A menos que estejamos falando de um Twinkie. Neste caso, é de fato, um dos piores crimes da história.
Já tendo tido meu reservatório de culpa avariado pelo inseto invasor, eu começava a conjecturar a possibilidade de retornar à faculdade, apenas para que eu pudesse levar minha amiga em segurança até sua casa. Afinal se algo acontecesse à ela naquele dia, seria minha culpa por ter negligenciado minhas responsabilidades. Sentei-me à frente de meu computador, numa tentativa de me distrair dos pensamentos negativos que estavam multiplicando-se rapidamente. Foi então que recebi um e-mail de uma certa grande rede de livrarias, anunciando que um jogo que esperava à meses havia entrado em estoque.
Contudo havia um problema. A loja em questão fecharia suas portas exatamente às 10 horas, e naquele momento já passavam das 9. Até hoje, o único ônibus do qual tenho ciência que passa nas proximidades de minha casa e no meu alvo é lendário por ter uma taxa de aparição comparável ao mais raro dos loots em um Dungeon Crawler, não raramente demorando horas para dar qualquer sinal de vida. Esperar por ele poderia significar o fim daquela jornada, e a vaga esperança de virar aquela noite em um mundo novo de aventuras negava qualquer pensamento em minha mente relacionado à rendição ou derrota. Tendo o tempo e as chances como adversários, decidi-me por não colocar meu destino nas mãos de nosso sistema de transporte público, e tomei a única decisão lógica, dadas as circunstâncias: Eu teria que correr até o distante centro comercial com minhas próprias pernas.
No caminho, um terceiro antagonista tentou erguer-se entre mim e meu prêmio. Quem é habituado à nossa cidade, conhece o caos que é nosso Trânsito. Dirigir nessa cidade onde todos os motoristas agem como se tivessem a estrela do Mario Kart ativado o tempo todo já não é uma tarefa muito fácil. Tentar atravessar ruas como pedestre então, é uma tarefa mais árdua. Faze-lo de noite e totalmente vestido de preto (eram as únicas roupas que eu tinha na época, não enche) é um desafio. Para encurtar o caminho eu precisei pegar rotas alternativas, entre elas, algumas com sinalizações horríveis. Um erro e seria Gamer Over para mim, sem direito à Continues. Mas neste ponto eu já havia entrado de cabeça nesse jogo, e havia entrado para ganhar.
Não sei bem se isso é algo normal ou não, mas consegui percorrer os cerca de 2,8km que me separavam do meu jogo novo em 20 minutos cravados. Felizmente não tive que esperar para ser atendido na dita livraria, ainda mais pelo fato de que não eram muitas as pessoas que se deixavam aproximar daquele jovem ofegante que acabara de adentrar a loja totalmente encharcado de suor. Peguei a capinha do cartucho de DS e me dirigi ao caixa. Na espera da fila, encontrei com um amigo que trabalhava na loja naqueles tempos. Descobri que eu poderia ter simplesmente pedido pra que ele comprasse o jogo pra mim e tê-lo encontrado no dia seguinte para fazer a troca, mas no estado de êxtase que me encontrava, sequer liguei para isso. Eu finalmente tinha o jogo em mãos, e dentro de alguns minutos eu poderia chegar em casa e aprecia-lo merecidamente.
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Epilogo:
No fim das contas entrei em contato com ela antes de começar a jogar, e ela havia chegado em casa sã e salva.
HAHAHAHHA. Muito bom admito que já larguei coisas importantes para jogar videogame, mas admito que eu não conseguiria deixar a pessoa sozinha nessa situação, acho que ainda sou um cara que se importa com os outros apesar de tudo, deve ser por isso que só me ferro.
Achei divertido pra caramba esse seu compartilhamento de experiências continue com esses post por favor.
Valeu, Ken-Oh.
Hoje em dia já não me sinto tão mal sobre isso, já que foi uma vacilada em quase 2 semestres. xD
No mais, sempre que eu arrumar uma maneira de dramatizar ao máximo uma derrota/história da minha vida, eu o farei e compartilharei aqui, porque não adianta passar por certas coisas se você não puder dar risada mais tarde.
No regrets my friend, no regrets xD
Never, dude. Never xD